quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Toda Luz Que Não Podemos Ver

de Anthony Doerr (Editora Intrínseca)

Em 'Toda luz que não podemos ver', o autor cria duas histórias  principais encantadoras, acompanhadas de dezenas de histórias menores que acompanham a linha narrativa principal.

Entrelaçando eventos ocorridos durante a ocupação alemã na França nos primeiros anos da década de 1940, ele nos presenteia com mais um romance que acontece durante a Segunda Guerra Mundial. Poderia até se dizer que houve uma exploração deste tema nos últimos anos com títulos que se tornaram best-sellers como O Menino do Pijama Listrado e A Menina que Roubava Livros, mas este livro é diferente dos dois de muitas maneiras, apesar de também iniciar a narrativa com crianças como protagonistas. 


Os personagens principais do livro são a menina cega Marie-Laure, filha do chaveiro do Museu de História Natural de Paris, que foge com seu pai para a cidade costeira de Saint Malo durante a invasão da França. Já na Alemanha, na fria região mineradora do país cresce o órfão Werner, que ao lado de sua irmã Jutta, sempre se interessou por rádios e ciência.

Marie não é definida por sua deficiência, além de se locomover sozinha pela cidade com a ajuda de uma bengala, ela tenta descobrir o máximo que pode sobre o mundo, mesmo sem enxergar. Sua posição única, de filha de um funcionário do museu, permite que ela transite pelo local, conhecendo os setores diferentes e tocando animais, plantas e objetos que as pessoas comuns jamais poderiam estar próximas. Seu pai, Monsier LeBlanc, instiga de todas as formas a curiosidade da menina, seja construindo para ela uma maquete em miniatura detalhada da cidade ou a presenteando com caixas com compartimentos secretos, que ela precisa desvendar para ganhar seu mimo.

 
Werner tem uma infância bem mais difícil, sendo criado num orfanato, junto com outras crianças, seus apoios são a irmã menor, Jutta, e Frau Elena, responsável pelo local. Como a maioria dos pequenos ali, os dois perderam o pai num acidente de mineração. Eles se viram fazendo pequenos trabalhos nas casas das redondezas para trazer dinheiro para o lar, buscando inclusive sucata que possa ser vendida. Em uma destas andanças, Werner encontra um antigo rápido que consegue consertar com muito custo, e ele lhe abre muita possibilidades na vida. A primeira vez através das ondas de longa distância, uma transmissão da França que fala sobre astronomia, física e química, e mais tarde o talento para consertar rádios lhe abre muitas portas.

Os acontecimentos vão se desenrolando com o crescimentos desses dois personagens, que por essência seriam completamente diferentes, mas têm tanto em comum que é inevitável esperar que em algum momento eles se encontrem. Ao passar dos capítulos, que mostram dois momentos distintos da linha do tempo, você inevitavelmente espera que os dois se conheçam, para que se reconheçam como os estranhos coloridos que são em um mundo cada vez mais cinza.

Na adolescência, Marie vive com o tio-avô Etienne, que sofre de agorafobia e não sai de casa há anos. O idoso, assim como seu pai cria nela uma vontade de conhecer os mistérios do mundo. Junto com Madame Manec, a governanta da casa, os três passam a colaborar com a resistência francesa enviando curtas transmissões de rádio com o rádio de Etienne. 

Neste momento, Werner usou seu talento com o conserto de aparelhos para conseguir uma vaga na escola técnica do exército, que o garante uma colocação como soldado nas comunicações. Ele sente muitas saudades da irmã e questiona o propósito da guerra em que está envolvido, mas segue para onde os comendantes o mandam, o que o leva à França.

 
A narrativa de Doerr é encantadora, tanto pela riqueza de detalhes e informações sobre o período quanto pela veracidade dos sentimentos de tantos personagens complexos. De cara já me encantei pela forma como ele escreve, simples mas cheia de poesia. Foi uma experiência realmente engrandecedora de leitura acompanhar o crescimento de Marie e Werner pelos olhos sonhadores das crianças.

O livro tem uma riqueza narrativa, uma história humana tão forte, tudo isso costurado por um período histórico tão importante de ser estudado para que não se repita. A forma como o autor construiu seu romance, linear de uma forma que não é obvia, foi uma delícia de descobrir. Sempre eu queria ler mais um capítulo, para ver onde esses personagens iam me levar.

Suas tramas laterais são tão ricas quando a história principal, cheia de mistérios como o diamante de sumiu do Museu de História Natural e é perseguido por um nazista obcecado por artefatos místicos. O desfecho é daqueles que te deixa feliz e triste ao mesmo tempo, mas o livro é em si totalmente satisfatório. 

A luz, no título, é uma metáfora que se encaixa em diversos pontos: no estudo científico sempre presente, na cegueira de Marie, na falta de oportunidades e escolhas para Werner, na falta de esperança causada pelo conflito. Um livro realmente grandioso, qualquer leitor vai se encantar. 

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